Um dos maiores —e menores— inimigos de quem procura um contato mais próximo com a natureza é também um dos mais ignorados pelos manuais de trilha voltados a iniciantes. Trata-se do carrapato-estrela, um pequeno aracnídeo hematófago cuja periculosidade é geralmente mais relevada que a de suas primas, as aranhas, mas que já provocou seis mortes neste ano no estado de Minas Gerais, um de seus ambientes favoritos, junto com o interior de São Paulo.
Segundo boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, neste ano já foram contabilizadas seis mortes por febre maculosa, doença provocada pela picada de carrapatos infectados pela bactéria Rickettsia rickettsii, dois casos a mais do que em 2024. Além desses, havia até meados de outubro mais 35 casos da doença confirmados e nove em investigação.
Segundo explicou por meio de sua assessoria a infectologista e professora da Afya São João del Rei, Janaína Teixeira, “a transmissão da febre maculosa ocorre quando o carrapato contaminado permanece aderido à pele por algum tempo durante o repasto sanguíneo”, ou seja, quando o bicho está lá se refastelando com seu precioso sanguinho.
E não se trata de uma simples febrinha, alerta a médica. A doença, que é endêmica em Minas Gerais, ou seja, está presente de forma contínua no estado, com registros todos os anos, “apresenta alta letalidade, com taxas que podem variar entre 30% e 50%, o que reforça sua gravidade e a importância para a saúde pública”.
Se carrapatos são velhos conhecidos dos trilheiros nos meses mais frescos, que incluem a temporada de montanhismo no Brasil, a novidade do clima enlouquecido é que os bichos resolveram se assanhar fora da janela habitual. Talvez porque tenham percebido que muito novato incauto acha mais agradável encarar as trilhas do país para fugir do calor do período mais quente, nem sempre bem informado sobre os cuidados básicos a tomar para evitar esse, entre outros, contratempos.
Para quem chega agora, mas também para os eternos otimistas que acreditam na força de seu anjo da guarda, seguem abaixo algumas dicas que podem ajudar a tirar o trilheiro das estatísticas carrapatícias.
Prevenção acima de tudo
- Use sempre calças compridas e blusas ou camisas de mangas longas, de preferência de cores claras, que permitem enxergar mais facilmente o carrapato. Vai esquentar? Vai. Mas pense só na tentação que aquele carrapatinho que você mal enxerga vai sentir de pular para aquela pele toda exposta, suada na bermudinha com regata e pedindo encrenca pelo caminho.
- Use botas, e, se possível, enfie a base das calças dentro do calçado ou das meias. Lacrar a barra das calças com uma fita adesiva também é uma boa ideia que atrapalha a viagem do carrapato pelo corpo do trilheiro, mesmo que, tá, não fique tão elegante na foto para sua rede social. Saúde em primeiro lugar, os haters de seu look que lutem.
- Se der, evite áreas sinalizadas como de incidência de carrapatos. Em geral, áreas com densidade carrapatográfica mais intensa são marcadas com placas de alertas de risco de febre maculosa e a presença de carrapatos e animais envolvidos na cadeia de transmissão, em especial cães e capivaras (elas mesmas, aqueles bichinhos simpáticos que circulam cada vez mais à vontade por marginais e parques de São Paulo).
- Tente, a cada duas horas, verificar se algum carrapato burlou seus melhores esforços e se instalou em alguma parte da pele exposta (lembrando aqui que nem o rosto está livre de ser atacado por essa praga e que já foi encontrado um bichinho desses, pasme, em cílios alongados). “Quanto mais depressa ele for retirado, menores os riscos de uma infecção se instalar”, ressaltou à reportagem Tânia Chaves, médica infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia.
- Use repelente que contenha icaridina, reaplicando-o na pele a cada quatro horas, a depender da concentração do produto. “Alguns têm concentração para longa duração, tem que conferir na embalagem”, lembra Tânia. Muitos trilheiros experientes aconselham, ainda, borrifar barraca, roupas e mochila com o mesmo produto. Prevenção pouca é bobagem e, nesses casos, melhor pecar pelo excesso.
Xi, me pegou, e agora?
Vamos supor que, mesmo com todos os cuidados, o cidadão achou um carrapato na pele. Para começar, nada de pânico e, principalmente, NÃO ARRANQUE O CARRAPATO DE QUALQUER JEITO! É, assim mesmo, em grandes letras de alerta. O importante é seguir algumas regras básicas, a saber:
- Nunca esmague o carrapato ao tentar retirá-lo. Nesse processo, pode haver liberação das bactérias que têm capacidade de penetrar por pequenas lesões na pele, inclusive pelo próprio orifício feito pelo pequeno vilão.
- Não force o carrapato a se soltar encostando uma agulha ou um palito de fósforo quente. O estresse provocado por esse processo, que aquela sua tia sádica lá da roça garantia ser infalível, faz o bicho liberar grande quantidade de saliva, aumentando as chances de transmissão das bactérias que provocam a doença.
- O jeito de tirar o bicho da pele é, com muito cuidado, pegá-lo DELICADAMENTE com uma pinça, fazendo uma leve torção para que a boca solte a pele e interrompa o processo de degustar seu sangue. Lembre-se de que, se parte dele ficar lá dentro, as bactérias vão estar livres, soltas e prontinhas para contaminar o orifício, por menor que seja (as bactérias serão menores ainda, lembram das aulas de biologia?).
- Após a retirada, lave a área com água e sabão, higienizando em seguida com álcool a 70°, item obrigatório no kit de primeiros socorros que, por sinal, é um item que não pode faltar em qualquer mochila.
- Se aparecerem dor de cabeça, dores no corpo, manchas na pele ou febre alta, procure assistência médica o mais rapidamente possível e dê todos os detalhes de por onde andou, se chegou a ver o carrapato e se teve contato com possíveis hospedeiros (a bicharada citada acima, mais eventualmente cavalos). Pode ser que tudo seja apenas provocado pela exaustão da trilha, mas, convenhamos, seguro morreu de velho e vale, aqui sim, aquele outro conselho da mesma tia lá da roça: melhor prevenir que remediar.
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