Se o caso tivesse acontecido no Brasil, ou em qualquer pais classificado como “em desenvolvimento” (eu escreveria país de Terceiro Mundo, porém o termo é considerado pejorativo e obsoleto), os olhares teriam sido mais críticos e condenatórios.
“Primitivos, desobedientes, incivilizados, inconsequentes” e outros termos seriam largamente aplicados –e com razão.
Como aconteceu na Europa (relatarei o ocorrido logo mais), esses mesmo olhares não foram tão rígidos. Afinal, os europeus (das nações ocidentais principalmente) e norte-americanos (EUA e Canadá especificamente) são considerados exemplos de boa educação, polidez, estirpe.
De modo geral, são –mais entre eles do que com quem é de fora–, mas no futebol não funciona assim. O torcedor, ao ir a um jogo, sujeita-se a perder a racionalidade. Se está em grupo, em uma torcida organizada, essa sujeição sobe a níveis estratosféricos.
No domingo (30), o Ajax, maior time da Holanda (em torcida e títulos), recebeu no estádio Johan Cruyff, em Amsterdã, o Groningen pelo Campeonato Holandês.
Atrás de um dos gols, tradicionalmente situa-se a F-Side. É uma espécie de facção de torcedores, classificados como “ultras”. São os fãs mais fanáticos (radicais), que apoiam o time intensamente e incondicionalmente, entoando com cânticos, desfraldando bandeiras, performando coreografias.
No começo da partida, a F-Side soltou dezenas de fogos de artifício, explodiu dezenas de bombas de fumaça e disparou outras centenas de sinalizadores.
Faziam, pelo relatado por sites esportivos, homenagem a um torcedor dos seus, Tiemen Tüben Pfann, apelidado Tum, que morreu dias antes aos 29 anos –não se divulgou a causa do óbito.
Informação relevante: na Holanda, é proibido entrar nas arenas esportivas com materiais desse tipo. Assim, a fiscalização inexistiu, ou falhou clamorosamente, ou, mais provável, fez vistas grossas para a organizada.
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Até considero bonito haver um espetáculo visual nos estádios. Bandeiras e mosaicos devem ser permitidos e incentivados, pois ampliam positivamente a atmosfera de cada partida.
Mas a pirotecnia é duvidosa. Barulho em excesso, nas proximidades dos tímpanos, e fumaça que agride os olhos e os pulmões desagradam-me. Além disso, dessa vez ela extrapolou as arquibancadas. Os fogos chegaram ao campo, pondo em risco a integridade dos jogadores, e a arbitragem parou o jogo aos 5 minutos.
As equipes recolheram-se aos vestiários, e o telão da arena, bem acima da F-Side, exibiu em letras garrafais a mensagem: “É proibido soltar fogos de artifício”.
Se o clube não tivesse deixado os ultras entrarem com os fogos, não haveria problema. Problema existente, recorre-se a esse expediente.
Depois de uma espera de 45 minutos, as equipes retornaram ao gramado para que a partida fosse retomada, em tentativa fracassada.
A obediência não é uma característica preponderante nos fanáticos, e a F-Side, com um arsenal que parecia interminável, novamente disparou os fogos.
O árbitro, então, suspendeu definitivamente o jogo. Decidiu-se que ele será realizado nesta terça (2), no mesmo local, só que com portões fechados.
Conclusões:
1) como não houve prevenção (como na doença, é sempre melhor prevenir do que remediar), parte-se para o tratamento. Autoridades, por meio de câmeras, tentarão identificar os torcedores responsáveis para aplicar punições individuais. Parece piada. Havia centenas, milhares ali. Se houver sanção, tem que ser coletiva, à F-Side toda;
2) do ponto de vista sociológico percebe-se que, para uma torcida organizada, a própria camisa vale mais que a camisa do time que justifica sua existência. É algo tribal. Pelo ideal de glorificar alguém de suas fileiras, o objetivo de ir ao jogo torcer pelo clube fica escanteado. Ignoram-se orientações de respeito e segurança, volta-se para casa sem ver futebol.
Lá como cá.
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