Rituais. Forças sobrenaturais. Macumba. Feitiçaria.
Você acredita em tudo isso ou em parte disso? Se sim, acredita que possam ter influência específica no futebol?
Não tenho conhecimento para me aprofundar em fenômenos ou práticas específicas, porém sei que eles existem e que, sim, acercam-se do mundo ludopédico.
Vide o malinês nascido na Costa do Marfim Éric Chelle, 48. Técnico da seleção na Nigéria, culpou o uso de vodu, por um membro do estafe da República Democrática do Congo, pela derrota nos pênaltis (4 a 3) que tirou dos nigerianos a chance de ir à Copa do Mundo de 2026.
Ao me deparar com essa declaração, e cético que sou das práticas (religiosas ou não) não ortodoxas para obter resultados ou atingir objetivos, lembrei-me imediatamente de um desenho do Pica-Pau, meu personagem de animações preferido, no qual ele, alvo de um ritual feito pelo Zé Jacaré (em busca de uma refeição ornítica), ironizava: “Vodu é pra jacu”.
O jacu talvez seja uma ave menos astuta que o Pica-Pau, que com essa fala passava a mensagem de que a prática mística –com o emprego de um boneco personalizado que obedeceria à ordem do feiticeiro– não funcionaria com ele: era uma baboseira, uma crendice, uma tolice,.
O vodu citado por Chelle não era esse, mas de outro tipo: gestos feitos na beirada do campo incluindo a manipulação de um líquido (possivelmente água), com o suposto intuito de fazer a RD Congo triunfar nas penalidades máximas com a ajuda de espíritos.
O treinador da Nigéria ficou bravo, porém não há na regra do futebol nada que proíba rituais que não interfiram comprovadamente no jogo.
O ocorrido entrará para a lista de relatos de fatos curiosos, sejam verídicos ou lendários, que se acumularam na história futebolística, envolvendo atitudes supersticiosas, heréticas, fabulosas.
Uma narrativa muito falada é a do sapo enterrado no Parque São Jorge, o estádio do Corinthians que fica dentro do clube da zona leste paulistana. Atribuiu-se à presença ali do (jamais visto) anfíbio o longo jejum de títulos do time (23 anos), encerrado apenas em 1977, quando um pai de santo desenterrou o cururu.
Ninguém viu alguém enterrar o sapo, ninguém viu o sapo ser desenterrado. Mas tanto se falou que ganhou contornos de veracidade.
Colunas
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Eis mais uma do folclore futebolístico, desta vez envolvendo a seleção australiana.
Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, os Socceroos foram à África para enfrentar em campo neutro (Moçambique) a Rodésia (atual Zimbábue). A Austrália detinha amplo favoritismo, porém empatou duas vezes com o adversário.
Antes do jogo de desempate, diz-se que os australianos recorreram ao misticismo: contrataram um curandeiro que lançou uma maldição sobre a seleção rodesiana. Funcionou, e a seleção da Oceania avançou ao ganhar por 3 a 1.
Só que o feitiço tinha um valor financeiro, não pago pelo contratante. Insatisfeito com o calote, o feiticeiro inverteu a maldição, lançando-a contra a Austrália. Que no mata-mata seguinte e decisivo, poucos dias depois, sucumbiu ante Israel, ficando fora da Copa.
Há ainda um outro caso merecedor de menção, na Argentina.
No começo dos anos 1980, o Estudiantes era treinado por Carlos Bilardo (que ganharia com a Argentina a Copa do Mundo de 1986). Havia um jovem torcedor do time, que se chamaria Juan Carlos Kiricocho, tachado de azarado: sempre quando ele aparecia no treino do time, algum jogador saía lesionado.
Bilardo então decidiu usar o pé-frio a seu favor. Nos dias de jogos, integrava-o ao elenco e o levava para cumprimentar os adversários, “transferindo” a eles o infortúnio. Com Kiricocho como amuleto, o Estudiantes ganhou o Campeonato Argentino de 1982.
Não há material documentado que prove a existência de tal torcedor, contudo Bilardo teria dito que “Kiricocho era um garoto de La Plata que sempre estava conosco”.
Esse é mais um episódio cabalístico que consta no anedotário do futebol.
São histórias que têm seu sabor e que tiveram influxo psicológico sobre os propensos a acreditar nelas. Outras deleitosas virão e terão efeito cognato. É ver (ou ler) para crer –ou para descrer.
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